terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Resgate da Dignidade

Por Silvio Caccia Bava - Le Monde Diplomatique Brasil





As cenas da pobreza já não nos comovem mais. Mesmo esses jovens drogados, em sua maioria negros e pardos, que dormem pelas calçadas do centro de nossas cidades, ou os pedintes nos faróis, incorporaram-se à cena urbana, tornaram-se parte da paisagem. Até os tiroteios na disputa pelos territórios das favelas cariocas banalizaram-se. Vamos nos insensibilizando, aceitando um mundo que a todo momento violenta nossos valores, nossa ética, nossa capacidade de solidariedade, de viver em grupo, de sofrer e ser feliz. Cada vez mais, o Brasil é a sociedade do apartheid social, da segurança privada. Uma guerra surda entre ricos e pobres corre solta, sem que seja declarada. São mais de 35 mil assassinatos com armas de fogo por ano, mais, muito mais que as baixas da guerra no Iraque.





As razões deste estado de coisas já são conhecidas. Elas residem na desigualdade mais que na pobreza. 10% dos brasileiros ficam com 75% da riqueza nacional. 1% dos proprietários rurais fica com quase 50% das terras agricultáveis. Os últimos dados oficiais falam de uma maior concentração da propriedade da terra e uma maior concentração de poder no setor financeiro. Pela lógica do agronegócio ou dos bancos privados, de maximização dos lucros, a polarização continua, a brecha entre ricos e pobres tende a aumentar.





As boas notícias em termos de combate à pobreza e redução da desigualdade, medidas, por exemplo, pelo coeficiente de Gini, só existem em razão das políticas públicas de transferência de renda. Sem elas, as tendências estruturais de concentração de riqueza e renda se revelariam em toda sua perversidade. Sem reforma agrária, sem reforma tributária, sem reforma política, sem mais democracia e participação cidadã, o país vai caminhar para mais violência.

No receituário neoliberal o assistencialismo ocupa um papel importante. Ele suaviza os impactos sociais do modelo, permitindo que se acentuem os processos de produção da desigualdade enquanto os mais pobres se beneficiam de políticas compensatórias, isto é, políticas que não os retiram de sua condição de pobreza, mas que aliviam seu sofrimento. Se essas políticas acabarem, eles voltam à condição anterior, murcha o comércio local, todos saem perdendo, os conflitos recrudescem, os canais institucionais da democracia não serão capazes de processar os conflitos.






O século XXI traz novidades. Uma delas é que não há trabalho para todos. O modelo de produção e consumo atual relega grande parte da população ao desemprego.

O trabalho cada vez mais se dissocia da produção, deslocando-se para a área de serviços e abrindo novas frentes, como os trabalhos sociais.

A concentração da riqueza e da renda, associada à falta de oportunidades de emprego para os jovens de baixa renda e baixa escolaridade, é uma combinação explosiva. Estão aí as gangues de jovens da América Central, as maras, como são chamadas, apontando o nosso futuro. O controle privado dos territórios por grupos armados já é uma realidade, seja na defesa dos condomínios de luxo, seja nas periferias e favelas das grandes cidades.






Os 7 anos de governo Lula não operaram reformas estruturais redistributivas. As alianças para a governabilidade e a composição do Congresso não o permitiram. Mas conseguiram construir programas que, no seu conjunto, transferem cerca de 0,5% do PIB para os mais pobres. É nada se comparado com a transferência de renda que as taxas de juros operam em favor dos mais ricos, algo em torno a 6%, 8% do PIB ao ano. E para apenas cerca de 20 mil famílias. Ambas as políticas cumpriram o seu papel. Desde o grande empresário e banqueiro até o brasileiro mais pobre, estão todos satisfeitos, cada qual mirando suas expectativas.

É uma situação particular. Este sentimento que se generaliza de que o Brasil está melhorando, tornando-se uma potência, pode ajudar a abrir um diálogo amplo na sociedade sobre o desenvolvimento que queremos. E aí entra na agenda a questão dos direitos humanos, dos direitos sociais, das políticas redistributivas.







Trata-se na verdade de buscar que se estabeleça um novo pacto social. Um acordo entre todos para garantir um padrão mínimo de civilidade em nossa vida em sociedade, garantir os direitos sociais básicos, estimular a vida associativa, ampliar e fortalecer os espaços públicos.

Para resgatar progressivamente a dívida social acumulada, as políticas públicas precisam priorizar os sistemas públicos de educação e saúde, saneamento básico, produção de moradias, transportes públicos, entre outros.


Houve um momento na história dos países escandinavos em que a força dos movimentos dos trabalhadores impôs a negociação de um novo pacto social. Daí nasceu o melhor sistema de proteção social que se conhece. E esses países continuaram se destacando como países capitalistas avançados. O traço que os distingue é uma distribuição mais social da riqueza produzida.

O Brasil pode se antecipar ao recrudescimento dos conflitos e, aproveitando este momento de otimismo, construir um novo pacto social.

domingo, 25 de julho de 2010

Pura ironia









A mesma cena, em dias diferentes, com personagens diferentes, caminhos parecidos, quiçá suas histórias, seus destinos? E como pano de fundo para essa dor de existir, de estar vivo sem pedir, a alegria contagia colorida quem não vê à sua frente o descalabro da vida que se faz humanamente...




Fotos: tapumes da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, já retirados, na rua Coronel Xavier de Toledo.

Valsando




Como se fosse um par
que nessa valsa triste
Se desenvolvesse
ao som dos bandolins
E como não e por que não dizer
Que o mundo respirava mais
se ela apertava assim
Seu colo
e como se não fosse um tempo
em que já fosse impróprio
se dançar assim
Ela teimou e enfrentou o mundo
Se rodopiando
ao som dos bandolins

Como se fosse um lar,
seu corpo a valsa triste iluminava
e a noite caminhava assim
E como um par
o vento e a madrugada
iluminavam
A fada do meu botequim
Valsando como valsa
uma criança
Que entra na roda,
a noite tá no fim
Ela valsando só na madrugada
Se julgando amada
ao som dos bandolins


(Oswaldo Montenegro)





Moradora de rua em frente ao Instituto de Saúde, na Rua Santo Antônio, Bela Vista.

A gente precisa VER










Você é capaz de ver? De ver a cidade em que vive? De ver as conseqüências de seus atos, ou da falta deles? É capaz de ver as pessoas que te cercam, ou mesmo as que não te cercam? É capaz de ver dentro de si mesmo? É capaz de ver dentro de seus semelhantes?






Fotos: Rua Araújo (primeira) e praça Roosevelt (segunda)

Abismo




O homem é uma das criaturas mais diversificadas que existe.





É inacreditável que, dotado de razão, seja incapaz de enxergar sua própria diversidade.






Como é possível que o ser humano não consiga olhar para dentro de si e ver que todos são constituídos pelo mesmo abismo?











Fotografias tiradas no Viaduto do Chá.

domingo, 11 de julho de 2010

Memórias à venda




"Quais sentidos as Ruínas comportam? Quais silêncios as habitam? Falar em uma
paisagem silenciosa remete, muitas vezes, aos processos de emudecimento. Percebo as casas,dentro desta noção genérica, (...)como espaços que transcendem a sua materialidade. Espaços poéticos, espaços de transcurso de lembranças, de memórias que são poetizadas e que estão materializadas em cada pequeno canto da casa, configurando-se, pois, de um espaço vivido. Todos temos lembranças dos lugares que habitamos e dos lugares que nos habitam. As casas são pequenos universos, e, como afirma Bachelard (2003), nessa comunhão dinâmica entre o homem e a casa, [...] estamos longe de qualquer referência às simples formas geométricas. A casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço geométrico."



Beatriz Rodrigues Ferreira - "Os Silêncios da Cidade"



Foto: casa antiga na rua Barata Ribeiro

Ajuda eu, uma moedinha!




"(...)Enfim, uma grande parcela da sociedade é excluída dos seus mais elementares direitos como ser humano pelo sistema econômico criado com o advento do capitalismo nos séculos passados. Essa cultura capitalista valoriza somente os capazes, inteligentes, vencedores, criando na nossa mente a imagem de que todos que conseguem dinheiro, riquezas e poder são realmente os detentores da felicidade e da perfeição humana na terra."

William Pereira da Silva, "Inclusão, discriminação e exclusão"



Fotografia tirada no Viaduto do Chá

Blog fora do ar

Colegas visitantes, este blog esteve fora do ar por alguns dias, devido a um suposto erro do Blogger, que o classificou como spam e deletou... Felizmente consegui recuperá-lo integralmente, e espero poder continuar postando as imagens que capto em meu dia-a-dia pelas ruas da cidade.

Obrigado a todos pela visita!

Verde e Vermelho




"...Há que se considerar o obstáculo representado pela propriedade privada da terra. Esta onera violentamente o preço do produto habitação, o que obriga as camadas mais pobres a morar nas piores localizações das cidades. No caso das cidades brasileiras e do Terceiro Mundo em geral, essas localizações são os subúrbios ou a chamada “periferia” subequipada."


Ana Fani Alessandri Carlos - "A Questão da Habitação na Metrópole de São Paulo"



Foto: vista de Itaquera a partir do Expresso Leste da CPTM

terça-feira, 22 de junho de 2010

Falando sozinha



E vejo,
O seu olhar embaçado
Tão triste e cansado
Como se falasse o que já sofreu





Chorando,
Silenciosa insegura
Com tanta amargura
A saudade dos filhos vem lhe corroer





Vejo em você uma santa
Parece criança falando sozinha
São desabafos que voam
E se perdem ao vento
Igual andorinha


(Fernando Mendes)




Fotografias tiradas no viaduto Major Quedinho

O Sonho dos Brasileiros



"O povo brasileiro é merecedor dessa alegria, afinal, o Brasil é o futebol. E o futebol é Brasil. O maior campeão da história do futebol não podia ficar muito tempo sem sediar uma copa. O brasileiro sonha com essa Copa desde a decepção de 50 quando o Brasil perdeu para o Uruguai no Maracanã lotado..."

(Lívia Albernaz)



Foto: homem revira saco de lixo na rua Vieira de Carvalho

O Futebol e o Povo



"... as massas são simplesmente distraídas pelos esportes, para que elas não prestem atenção e nem deem tanta importância aos eventos políticos, econômicos e sociais de sua pátria, todos os quais sempre as afetam. Justifica-se pateticamente a atenção dada aos esportes (ao futebol, por exemplo) com a falácia do “povo sofrido”. O “povo brasileiro”, por ser “sofrido”, deve ter suas dores e tristezas anestesiadas pela panacéia da histeria coletiva do esporte?
(...)
Não se trata aqui de desvalorização do esporte como atividade física ou da vontade natural do humano de pertencer a um grupo que pode, muito bem, ser representado pelos torcedores de um “time”. O que se quer ressaltar é o quanto prejudicial é o fanatismo e valorização, por exemplo, de um “clube de futebol” em detrimento do próprio futuro e da própria família. O quanto é nocivo o fato de serem preferidas mesas redondas sobre futebol em comparação com as que discutem a política mundial e nacional, a economia e a sociedade. O quanto é condenável que se deixe um debate filosófico por conta de um debate a respeito de qual jogador atua melhor na posição de ponta-esquerda."

(Raphael Machado Silva)




Foto: rua do bairro Guaianazes, Extremo Leste, decorada para a Copa do Mundo de 2010.

domingo, 20 de junho de 2010

O Ancião e o Povo




"...É na sociedade capitalista que a velhice é percebida como a pior fase da vida. O idoso na sociedade capitalista é o velho, não o ancião. O velho nas sociedades pré-capitalistas era aquele que pela sua longa experiência de vida e acúmulo de conhecimento, trazia marcado na memória e também no corpo a vivência de seu povo." (Souza, Mathias & Brêtas)


Fotografia tirada na Rua General Xavier de Toledo.

Homens Invisíveis



“Como gari, senti na pele o que é um trabalho degradante. Vivi situações que me impulsionaram a entender melhor o nosso meio psicossocial”, explica o psicólogo Fernando Braga da Costa, que desenvolveu uma tese sobre a “invisibilidade pública”, isto é, profissionais como faxineiros, ascensoristas, empacotadores e garis não são “vistos” pela sociedade, que enxerga a função, não a pessoa. Uma das situações experimentadas por Fernando foi atravessar uniformizado os corredores da faculdade em que estudava. Ninguém nem sequer olhou para ele ou o cumprimentou.


Foto: gari descansa próximo à praça Dom José Gaspar

Feito de Pedras




Mulher se aquece ao sol em frente à Prefeitura de São Paulo

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Abandono



"Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso."
François Chateaubriand

Companheiros




"Quem dorme sozinho tem o coração vazio."
(Thepmoli)



Fotografia tirada na Avenida São João

Nuvens de Sangue




"...parece-me ver correr do próprio peito a cólera vermelha e ardente..." (Aluísio de Azevedo)


Foto tirada na estação Brás do metrô.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sem destino




"O solitário leva uma sociedade inteira dentro de si: o solitário é multidão." (Miguel de Unamuno)

"A verdadeira morte, é a decadência." (André Malraux)


Fotografia tirada na Rua Boa Vista, centro.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A porta




“Eu sei as tuas obras; eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar." (Apocalipse 3:8)

Porta antiga localizada na rua Treze de Maio, Bixiga.

A ilha




"O mito do Homem Isolado supõe o Homem como originária, e primitivamente, um ser isolado, não social, que desenvolve gradualmente a necessidade de relacionar-se com os outros indivíduos. Le Bon, um dos pioneiros da Psicologia Social, denominou essa idéia de instinto gregário. Sem este instinto, o homem não conseguiria relacionar-se com seus semelhantes, e seria impossível a formação da sociedade".

Marco Zero




Nem chiques, nem famosos. Apenas desempregados, desocupados, dessocializados, a freqüentar as tardes da praça da Sé em busca de sabe-se lá o quê. Personagens centrais do centro da grande metrópole, retratos vivos de uma história esquecida, anônimos, apesar de vistos por milhões de pessoas todos os dias.